Aromas no Café: Como Identificar e Avaliar Perfis Sensoriais
Quando nos deparamos com uma xícara de café recém-preparada, antes mesmo de sentir seu sabor, somos envolvidos por aromas…

Quando nos deparamos com uma xícara de café recém-preparada, antes mesmo de sentir seu sabor, somos envolvidos por aromas que despertam sensações e recordações. Ao contrário do que muitos imaginam, os aromas do café não se resumem ao cheiro característico que sentimos ao abrir um pacote. Eles se formam por centenas de compostos voláteis que se transformam conforme a variedade do grão, o método de torra, o preparo e até mesmo o ambiente onde o café é degustado.
Saber identificar e avaliar os perfis sensoriais do café é uma habilidade que podemos desenvolver e transforma completamente a maneira como percebemos essa bebida.
Neste artigo, vamos explorar os diferentes tipos de aromas presentes no café, como nosso cérebro os processa, sua presença nos cafés especiais e os fatores que os originam. Além disso, daremos dicas de como podemos nos tornar mais atentos a esses detalhes sensoriais.
Neste artigo você vai ver
Tipos de aromas no café
A complexidade aromática do café é impressionante. São centenas de compostos voláteis que, em conjunto, respondem pelas inúmeras nuances sensoriais percebidas durante a degustação. Para facilitar a compreensão de suas características e origens, esses aromas são organizados em categorias, facilitando assim a identificação durante análises sensoriais.
A Specialty Coffee Association (SCA) desenvolveu a Roda de Aromas, que é hoje a principal referência internacional para descrever e organizar os aromas e sabores do café. Ela agrupa os principais tipos de aromas em três grandes categorias, com base nos processos químicos predominantes durante o desenvolvimento do grão e sua torra: enzimáticos, de caramelização e de destilação seca. Cada categoria contém uma série de subnotas e famílias aromáticas que servem de guia para a análise sensorial.
Aromas enzimáticos
Os aromas enzimáticos têm origem principalmente durante o amadurecimento e processamento dos grãos, graças à ação de enzimas naturais presentes no fruto. São, em geral, notas mais delicadas, frescas, e têm relação direta com o terroir e a variedade do grão, bem como o método de processamento pós-colheita. As principais famílias de aromas enzimáticos incluem:
- Frutados: lembram frutas frescas ou maduras, como por exemplo maçã, pera, frutas vermelhas (morango, framboesa), frutas cítricas (laranja, limão), frutas tropicais (manga, abacaxi, maracujá) e frutas de caroço (pêssego, ameixa).
- Florais: remetem a flores como jasmim, flor de laranjeira, lavanda, rosa.
- Herbais e vegetais: trazem notas de chá verde, capim-limão, folhas frescas, tomate, aipo.
Geralmente, cafés com predominância de aromas enzimáticos possuem perfis sensoriais considerados bastante complexos.
Aromas de caramelização
Esses aromas desenvolvem-se durante a torra, a partir da caramelização dos açúcares presentes no café. O calor provoca a decomposição dos açúcares, formando assim compostos que resultam em notas adocicadas. As principais famílias são:
- Caramelo: lembram caramelo, melado, açúcar queimado, toffee.
- Chocolate/cacau: incluem chocolate ao leite, chocolate amargo, cacau em pó, achocolatado.
- Nozes: envolvem amêndoas, avelã, castanha-do-pará, nozes pecã.
- Outros: há espaço para notas de mel e baunilha, especialmente em cafés de torra clara a média.
Cafés com notas de caramelização costumam oferecer dulçor e corpo acentuados, muito apreciados pelo consumidor brasileiro.
Aromas de destilação seca
Os aromas de destilação seca surgem em torra intensa, formados pela atuação do calor sobre aminoácidos e outros compostos, em reações como a pirólise. São geralmente notas profundas, intensas, que remetem a elementos tostados, defumados ou picantes.
Principais grupos de aromas de destilação seca incluem:
- Torrado/tostado: como pão torrado, biscoito tostado, cevada, cereais, malte torrado.
- Especiarias: notas de canela, cravo, noz-moscada, pimenta, alcaçuz.
- Defumado: lembranças de fumaça, carvão, madeira queimada.
- Outros: podem surgir nuances de tabaco, couro, noz torrada, caramelo queimado.
Embora aromas de destilação seca possam enriquecer o perfil sensorial do café, se presentes em excesso (por exemplo, fumaça ou queimado), podem ser considerados defeitos e ofuscar outros elementos sensoriais.
Como nosso cérebro identifica os aromas no café
A percepção dos aromas no café é um processo complexo, envolvendo tanto os sentidos físicos quanto a interpretação subjetiva do cérebro. Ao inspirarmos os compostos voláteis liberados pelo café, receptores olfativos na parte superior das narinas os captam. Esses receptores enviam sinais ao bulbo olfativo, que por sua vez transmite as informações ao córtex olfativo no cérebro. É nesse ponto que a magia acontece: nosso cérebro interpreta esses sinais como aromas específicos.
O impacto dos aromas no sabor
O sabor do café tem profunda influência de seus aromas. Embora o paladar identifique apenas os sabores básicos – doce, salgado, azedo, amargo e umami -, é o olfato que responde pela maior parte das sensações de sabor. Um mesmo café pode parecer doce, frutado ou floral não apenas por compostos naturalmente presentes, mas porque os aromas evocam essas sensações via nossa memória sensorial.
É por isso que um café pode ter notas descritas como “chocolate amargo” ou “frutas cítricas”, mesmo sem conter nenhum desses ingredientes. Nosso cérebro associa esses aromas a experiências sensoriais passadas e os traduz em sabores.
Por isso, ao descrever notas como “chocolate amargo” ou “frutas cítricas”, na verdade estamos traduzindo experiências olfativas em impressões gustativas. Além disso, a percepção de aromas tem ligação à memória e à emoção: a habilidade de identificar e nomear aromas se constrói com o tempo, por meio da exposição e do treinamento sensorial.
Cada pessoa apresenta uma capacidade diferente para identificar aromas, influenciada por genética, idade, experiências e exercícios de treino. Profissionais como baristas e Q graders desenvolvem continuamente o repertório olfativo, consolidando novas conexões neuronais e tornando-se cada vez mais precisos na análise sensorial.
Aromas no café especial
Os cafés especiais caracterizam-se pela elevada qualidade sensorial, de avaliação conforme critérios internacionais como os da SCA (Specialty Coffee Association). Para ser considerado especial, o café precisa atingir uma pontuação mínima de 80 pontos numa escala de 100, em processos de avaliação que incluem análises de aroma, sabor, acidez, corpo, finalização e ausência de defeitos.
Uma das características mais valorizadas nesses cafés é a complexidade e clareza dos aromas. Ao contrário dos cafés comerciais, os especiais passam por processos criteriosos desde o cultivo até a torra, preservando e realçando os aromas naturais do grão.
Em degustações profissionais (“cuppings“), os aromas são analisados em diferentes etapas: moído seco, após hidratação (crosta), e durante a degustação da bebida. O objetivo é identificar a presença de aromas positivos, bem como sua clareza, intensidade e equilíbrio.
Cafés especiais devem exibir perfis aromáticos agradáveis e distintos. Aromas vibrantes e complexos – que lembram frutas, flores, mel ou chocolate – são sinal de qualidade e excelência no processamento. Defeitos sensoriais, como notas de mofo, excesso de fermentação, borracha, queimado ou vegetal, desvalorizam o café e podem excluí-lo da categoria dos especiais.
O que forma os aromas no café?
Os aromas no café são resultado de uma série de fatores que interagem entre si, desde a variedade do grão, seu desenvolvimento até o método de preparo. Entre os principais elementos responsáveis pela formação e expressão desses compostos aromáticos estão:
Variedade do grão
A variedade genética influencia diretamente o potencial aromático do grão. Cafés da espécie Coffea arabica, famosos pela delicadeza e complexidade aromática, contrastam com a robustez e rusticidade da Coffea canephora (robusta), que tende a apresentar aromas mais terrosos e amargos.
Terroir
Conceito já bastante conhecido no universo do vinho, o terroir também atua no desenvolvimento do perfil sensorial do café. O termo abrange o conjunto de fatores do ambiente como clima, solo, altitude, exposição solar e práticas agrícolas
Cafés com cultivo em altitudes elevadas, por exemplo, tendem a amadurecer mais lentamente, o que permite maior concentração de açúcares e ácidos orgânicos – elementos fundamentais para a formação de aromas complexos.
Processamento pós-colheita
O modo de processamento do café após a colheita, que pode ser natural (via seca), lavado (via úmida) ou honey (“cereja descascado”), altera o perfil de aromas. O método natural realça notas frutadas e doces, enquanto o método lavado destaca aromas florais e cítricos e traz maior acidez. Os cafés honey, por sua vez, podem apresentar perfis equilibrados e únicos, combinando dulçor, acidez e complexidade.
Torra
A torra é decisiva para a formação de aromas: reações como Maillard, caramelização e pirólise convertem açúcares, aminoácidos e ácidos em novos compostos voláteis. O mestre de torra habilidoso pode destacar determinadas notas aromáticas ou suavizar possíveis defeitos. Torras claras preservam melhor os aromas originais do grão (frutados e florais), enquanto torras médias e escuras enfatizam notas de caramelo, chocolate, tostado e especiarias.
Preparo da bebida
O método de preparo (prensa francesa, filtro, espresso, Aeropress, entre outros) e fatores como temperatura e granulometria do pó influenciam a extração dos compostos aromáticos. Métodos mais lentos e cuidadosos revelam diferentes nuances, potencializando ou suavizando determinadas notas.
Conclusão
Ser capaz de identificar os aromas do café é certamente um dos elementos que tornam cada xícara uma experiência única e inesquecível. Os aromas, compostos por uma infinidade de notas que variam de acordo com origem, variedade, processamento, torra e preparo, vão muito além do simples ato de beber: compõem um universo sensorial fascinante.
Com prática e atenção aos detalhes, qualquer pessoa pode desenvolver maior sensibilidade aromática, descobrindo nuances antes despercebidas e elevando sua apreciação da bebida. Quanto mais conhecemos sobre os perfis sensoriais do café, mais aprofundamos a conexão com sua história, origem e com todo o trabalho envolvido até chegar à nossa xícara.