Como a barrica de carvalho influencia na qualidade do vinho?

A madeira, principalmente o carvalho, desempenha um papel importante na definição de sabores, aromas e estrutura de vinho

A magia de se transformar uva em vinho é repleta de nuances que farão toda diferença no produto final. E dentre esses detalhes, a barrica de carvalho desempenha um papel importante na definição dos sabores, aromas e estrutura de vinhos de qualidade.

Mas você sabe de que forma essa madeira influencia no perfil de um vinho? Acompanhe este artigo e descubra como essa relação fascinante funciona e entenda como o carvalho contribui para a excelência sensorial.

Antes, um pouco de história

Para entendermos a influência da barrica de carvalho nos vinhos, é essencial conhecer um pouco da história. Originalmente, a sua função era extremamente prática: um recipiente seguro para o transporte da bebida. 

Durante milênios, ânforas e bolsas de couro foram utilizadas para armazenar e carregar vinho, contudo, com o crescimento do comércio no Império Romano, esse uso passou a se tornar inviável. Foi exatamente por isso que nesse período os barris ganharam espaço. As barricas eram mais leves em comparação às ânfora, ao mesmo tempo em que possibilitavam o armazenamento de volumes maiores. Outra vantagem é o seu formato, que facilitava o transporte durante os processos de embarque e desembarque. Além disso, a limpeza era relativamente simples, e, em caso de danos, o conserto era mais fácil.

Com a popularidade das barricas de carvalho, os vinicultores começaram a perceber que o vinho armazenado adquiria características únicas, nascendo assim, uma tradição que persiste até hoje.

Por que carvalho?

Existem muitos tipos de madeira, mas o carvalho se destaca por suas propriedades singulares. Madeiras como castanho, cerejeira, nogueira, entre tantas outras, foram testadas como recipientes, mas o carvalho demonstrou ser a escolha mais acertada. Somente há poucas décadas que estudos revelaram com mais clareza os benefícios do carvalho para o vinho.

Ele é o mais resistente, leve, relativamente maleável para a montagem de barris, e possui porosidade adequada que permite uma interação sutil entre o vinho e o oxigênio do ambiente, levando a uma maturação e oxidação controladas. Além disso, o carvalho libera compostos que enriquecem o sabor e aroma do vinho.

Tipos de carvalho: francês ou americano?

O carvalho, pertencente à família das Faias, é uma árvore de folha caduca, originária das zonas temperadas da Europa, América do Norte e Ásia. Com mais de 250 espécies, algumas se destacam na fabricação de barricas, notadamente o Quercus alba, conhecido como “carvalho americano”, o Quercus robur e Quercus petraea (ou Quercus sessilis), abundantes nas florestas francesas.

O Quercus alba é natural do leste dos Estados Unidos e tende a ser mais poroso, possibilitando uma interação mais intensa entre a madeira e o vinho, resultando em sabores mais evidentes. Ele pode aportar notas de baunilha, coco, manteiga e outras nuances adocicadas, que quando a tosta da madeira é feita em temperaturas muito altas, dão lugar a toques de açúcar mascavo e caramelo. Além disso, ele apresenta baixos índices de fenólicos, que substâncias que dão estrutura ao vinho,

As outras duas espécies europeias – Quercus robur e Quercus petraea – as chamamos genericamente de “carvalho francês”. Com extensas reservas, a França é reconhecida como a principal fonte de carvalho na Europa, tendo suas florestas asseguradas pela Agência Florestal Francesa – ONF, que garante a qualidade da produção de carvalho, bem como a sua longevidade. Para utilizar uma árvore na produção de uma barrica, ela precisa ter no mínimo 150 anos!

A Quercus robur, das florestas de Limousin, confere ao vinho mais polifenóis,que trarão mais corpo e estrutura, e menos aromas, ao contrário do Quercus petraea, comum na floresta de Vosges, que possui granulação mais fina e riqueza de compostos aromáticos, especialmente notas de baunilha e especiarias doces.

Uma das principais diferenças entre os carvalhos americano e francês diz respeito à sua estrutura celular. Por ser mais denso e impermeável, é possível serrar o carvalho americano, enquanto o francês precisa ser partido para manter os veios naturais sem perigo de vazamento da futura barrica.

Em tempo: o carvalho encontrado em países do leste da Europa, como a Eslovênia, é normalmente das variedades “francesas”.

Cada tipo de carvalho contribui com nuances distintas, permitindo que o enólogo afine o perfil do vinho de acordo com sua visão e estilo.

A tosta das barricas de carvalho

A tosta da madeira é parte do processo de fabricação de uma barrica e também irá influenciar diretamente no sabor e aroma do vinho. Falamos basicamente em três níveis de tosta:

  • leve (light): barricas com tosta leve são as que mais se aproxima da característica natural da madeira, usada quando o enólogo busca uma presença mais delicada do carvalho, sem dominar os sabores frutados;
  • média (medium): é um equilíbrio entre a tosta leve e a forte, envolvendo um tempo moderado de exposição à chama, o que pode intensificar a complexidade do vinho, adicionando camadas mais profundas de baunilha, tostado e especiarias, enquanto mantêm a integridade dos sabores de frutas;
  • forte (heavy): a exposição a temperaturas mais altas por mais tempo leva a uma maior caramelização dos açúcares naturais da madeira, pronunciando mais os aromas tostados, com notas de café e até mesmo um caráter defumado.

A estrutura e o tanino

O contato com o carvalho permite que o vinho extraia taninos da madeira, o que pode adicionar estrutura e complexidade ao vinho, tornando-o mais encorpado e com um final mais longo. Para vinhos que já são ricos em taninos, como o Cabernet Sauvignon, a barrica pode ajudar a suavizar e arredondar esses taninos, tornando-os menos adstringentes.

Oxidação controlada

Como mencionado, o carvalho é naturalmente poroso, o que significa uma pequena troca de oxigênio com o ambiente. Esta oxidação lenta e controlada é benéfica, pois permite que uma série de reações químicas aconteçam durante o amadurecimento do vinho, levando a polimerização de taninos e volatilização de aromas, tornando-os mais integrados e harmoniosos. Outro fator importante é que essa oxidação controlada dá maior longevidade e estabilidade ao vinho na garrafa.

Barricas novas vs. usadas

A idade da barrica também faz diferença no resultado final. Barricas novas, de primeiro uso, têm maior influência no vinho, pois ainda possuem muitos compostos para liberar. É nesse momento que haverá maior troca e aporte mais intenso de aromas e sabores.

Com o uso contínuo, essa influência diminui. No terceiro uso, é quase imperceptível a presença da madeira, tornando a barrica basicamente um recipiente inerte. Assim, os produtores podem optar por barricas usadas se desejarem apenas a micro-oxigenação sem adicionar muitos sabores da madeira.

Tamanho importa

O tamanho da barrica também desempenha um papel significativo. Barricas maiores têm uma área de contato menor entre o vinho e a madeira, resultando em uma influência mais sutil. As barricas menores, por outro lado, oferecem uma interação mais intensa e maior transferência de aromas e componentes.

As barricas de carvalho são mais do que simples recipientes de armazenamento. Elas oferecem um ambiente único, permitindo que o vinho respire, evolua e absorva os sabores sutis da madeira. Nas mãos de um enólogo habilidoso, as barricas são instrumentos que podem levar o vinho a um alto nível de complexidade.