Fermentação do Vinho: Entenda como funciona
O que transforma o simples suco de uva em uma das bebidas mais antigas e fascinantes da história humana?…
O que transforma o simples suco de uva em uma das bebidas mais antigas e fascinantes da história humana? A resposta está em algo que você nunca verá dentro de uma taça, mas que está presente em cada gole: a fermentação. A fermentação do vinho é um processo complexo, imprescindível para sua produção. É nesse estágio que, graças à ação de microrganismos, o vinho conquista sua riqueza de sabores, aromas e complexidade.
Mas como exatamente isso funciona? E qual é o papel das leveduras nesse processo? Siga a leitura deste artigo e descubra como ocorre a fermentação do vinho, bem como os detalhes das fermentações alcoólica e malolática e como as leveduras atuam.
Neste artigo você vai ver
Passo a passo do processo de fermentação do vinho
A fermentação do vinho é um processo que requer atenção e expertise do enólogo a fim de garantir a qualidade e o estilo desejados. E todo o cuidado começa antes mesmo do mosto entrar em contato com as leveduras.
Colheita das uvas
Tudo começa no vinhedo. O estágio de maturação das uvas tem relação direta com o processo de fermentação do vinho. Os frutos precisam estar no ponto ideal de maturação, pois isso influencia o teor de açúcar, acidez e a qualidade geral da bebida. Uvas muito maduras podem gerar vinhos com teor alcoólico elevado, enquanto as colhidas antes do tempo podem resultar em acidez muito alta. O importante é que todos os elementos estejam em equilíbrio.
Desengace, esmagamento e maceração
Após a colheita, as uvas passam por uma triagem para remoção de folhas, galhos e frutos danificados. Em seguida, elas vão para a desengaçadeira – no caso das tintas – para separar as bagas do engaço, a estrutura que sustenta o cacho. Depois, os frutos são levemente esmagados para liberar o sumo, chamado de mosto.
Neste momento, as cascas das uvas ficam em contato com o mosto para assim conferirem cor, tanino e aroma ao vinho. Este processo, a maceração, pode levar dias, dependendo do estilo de vinho que se busca.
No caso das uvas brancas, geralmente após a triagem inicial, elas passam pela prensagem para liberação do mosto, iniciando assim o processo de fermentação na sequência. São poucos os casos em que elabora-se um vinho branco a partir do contato das cascas com o mosto.
Fermentação alcoólica
A fermentação alcoólica é a transformação do açúcar presente no mosto em álcool e gás carbônico pela ação das leveduras. Estes microrganismos podem ser tanto naturais – presentes na casca das uvas ou no ambiente – como selecionados, ou seja, quando o enólogo as adiciona.
Além de produzir álcool, as leveduras geram compostos secundários, como glicerol, ácidos orgânicos e ésteres, que enriquecem o vinho com aromas e sabores característicos. Este processo também libera calor, por isso a temperatura deve ter monitoramento constante. Em vinhos brancos, geralmente a fermentação ocorre entre 12 e 18°C para assim manter o frescor e preservar os aromas frutados e delicados. Já em vinhos tintos, as temperaturas ficam entre 20 e 30°C, dessa forma favorecendo a extração de cor e taninos.
A fermentação alcoólica, que pode ocorrer em tanques de inox, barricas de carvalho, ovos de concreto ou até mesmo ânforas, leva de alguns dias a várias semanas, dependendo do tipo de vinho e das condições de fermentação.
Fermentação malolática
Após a fermentação alcoólica, a maioria dos vinhos passa por um outro processo fermentativo, a fermentação malolática. Bactérias láticas realizam essa ação, convertendo o ácido málico, presente naturalmente nas uvas e que confere uma acidez mais agressiva, em ácido lático, mais suave.
A fermentação malolática também contribui para a estabilidade microbiológica do vinho e adiciona complexidade ao perfil sensorial, proporcionando assim sabores amanteigados e uma textura mais aveludada.
Em vinhos tintos, ela é quase absoluta; já em brancos, é menos usual. Em variedades como por exemplo a Chardonnay, utiliza-se a fermentação malolática para adicionar complexidade e corpo ao vinho. Por outro lado, em vinhos brancos que priorizam a acidez e o frescor, evita-se este processo.
Maturação, clarificação e engarrafamento
Após os processos de fermentação, o vinho segue para a maturação em tanques de aço inox ou barricas de carvalho. A duração deste estágio varia de acordo com o estilo de vinho pretendido, além de contribuir para o desenvolvimento de sabores complexos e aromas.
O vinho é então clarificado a fim de remover partículas em suspensão, leveduras mortas e outras substâncias que podem afetar sua aparência e sabor. Utiliza-se técnicas como decantação, filtração e agentes clarificantes para obter um líquido límpido. Finalmente, o vinho segue para o engarrafamento. Alguns exemplares podem continuar a evoluir na garrafa, dessa forma desenvolvendo sabores e aromas mais complexos com o passar do tempo.
O papel das leveduras na fermentação do vinho
Sem leveduras não há fermentação do vinho. Estes microrganismos são os responsáveis por transformar os açúcares em álcool e CO₂. Além disso, as leveduras produzem uma série de compostos secundários que contribuem para o perfil sensorial do vinho.
Leveduras naturais (ou indígenas)
Leveduras naturais, ou leveduras indígenas, são aquelas que já estão presentes nas cascas das uvas ou então no ambiente da vinícola. Elas iniciam a fermentação de forma natural, sem a adição de culturas selecionadas.
O uso de leveduras naturais é comum em vinhos que buscam expressar o terroir, pois refletem as características únicas da região de cultivo das uvas, tais como os vinhos orgânicos e biodinâmicos. Porém, as leveduras indígenas podem ser bastante imprevisíveis, com fermentações mais lentas e difíceis de controlar, exigindo assim maior atenção e experiência do enólogo.
Leveduras selecionadas
As leveduras selecionadas são cepas isoladas em laboratório, cultivadas especificamente para vinificação. Elas têm uso para garantir maior controle e previsibilidade no processo de fermentação. São variedades específicas de Saccharomyces cerevisiae, de escolha por suas características desejáveis, como tolerância ao álcool, eficiência fermentativa e produção de aromas específicos.
A história da fermentação
A fermentação é um processo antigo, datando de milhares de anos atrás. Acredita-se que o vinho surgiu por acaso, possivelmente por uma porção de uvas esquecidas em um recipiente, que fermentaram espontaneamente.
Contudo, o cultivo de videiras para a produção do vinho somente aconteceu quando os nômades se tornaram sedentários. Evidências arqueológicas indicam que os primeiros vinhos tiveram produção na Geórgia, na região do Cáucaso, entre 8000 a.C. e 5000 a.C. A fermentação era inicialmente um processo natural, sem a compreensão científica que temos hoje.
Somente no século XIX, o cientista francês Louis Pasteur descobriu o papel das leveduras na fermentação alcoólica. Ele demonstrou em suas pesquisas que a fermentação é um processo biológico que microrganismos específicos realizam. Compreender o papel das leveduras permitiu aos enólogos controlarem melhor o processo de fermentação do vinho, melhorando assim a qualidade e a consistência dos produtos.
A descoberta de Pasteur não apenas revolucionou a produção de vinhos como abriu caminho para avanços em outras indústrias alimentícias e de bebidas.
Para além do vinho, a fermentação em outros produtos
A fermentação não é um processo exclusivo do vinho. Ela é necessária na elaboração de uma série de alimentos e bebidas:
- Cervejas: a fermentação transforma os açúcares do malte em álcool e CO₂, com diferentes leveduras produzindo estilos variados de cerveja.
- Queijos: bactérias e fungos são utilizados para coagular o leite e desenvolver sabores e texturas únicas em queijos de diferentes tipos.
- Pães: a fermentação da massa por leveduras produz gases que conferem leveza e sabor característico.
- Iogurtes: bactérias lácticas fermentam o leite, resultando assim em produtos probióticos benéficos para a saúde intestinal.
A fermentação no café
No caso do café, a fermentação é uma etapa opcional para definir um perfil sensorial específico da bebida. Dependendo do método (fermentação seca ou úmida) e da duração do processo, o café pode desenvolver notas que variam de frutadas e florais a achocolatadas e caramelizadas.
A fermentação no café acontece após a colheita, quando os grãos passam por processos fermentativos que removem a polpa e a mucilagem que os envolvem. Assim como no vinho, o terroir, as condições climáticas e a escolha das leveduras podem impactar nos aromas e sabores finais do café.
Conclusão
Sem a fermentação, o vinho como conhecemos não existiria. Este processo complexo transforma o simples suco da uva em uma bebida cheia de personalidade. Da colheita das uvas até a escolha das leveduras, cada etapa tem sua importância na definição do perfil sensorial do vinho.
Além disso, a relevância da fermentação se estende para além das vinícolas, sendo essencial na produção de outros alimentos e bebidas que consumimos no dia a dia. Ao entendermos melhor como funciona esse processo, também aprendemos a valorizar o trabalho que torna cada garrafa única. Saúde!