Fermentação de queijos e vinhos: Semelhanças e diferenças
A fermentação é um dos processos biológicos mais antigos e fascinantes da humanidade. Desde os primórdios da civilização, ela…

A fermentação é um dos processos biológicos mais antigos e fascinantes da humanidade. Desde os primórdios da civilização, ela transforma alimentos e bebidas, prolongando sua vida útil e enriquecendo seus sabores. Dos vinhos, que acompanham celebrações há milênios, aos queijos, um dos alimentos mais versáteis e apreciados no mundo, a fermentação é central na gastronomia e na cultura.
Mas o que torna esse processo tão especial? Quais são as semelhanças e diferenças entre a fermentação de queijos e vinhos? Neste artigo, exploraremos os detalhes técnicos, os benefícios para a saúde, as nuances sensoriais e muito mais, revelando por que a fermentação é uma verdadeira alquimia moderna.
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Origem da fermentação
A fermentação é um processo natural que remonta há mais de 10.000 anos, quando civilizações antigas descobriram, quase por acidente, que alimentos e bebidas podiam ser transformados por microrganismos.
Evidências arqueológicas sugerem que os sumérios já produziam cerveja por volta de 6.000 a.C., enquanto os egípcios e mesopotâmicos utilizavam técnicas rudimentares de fermentação para fabricar queijos e pães.
No caso do vinho, acredita-se que na descoberta quando uvas armazenadas em recipientes começaram a fermentar naturalmente, graças às leveduras presentes na casca das frutas. Já o queijo teria surgido quando o leite transportado em bolsas feitas de estômagos de animais entrou em contato com enzimas coagulantes, iniciando assim o processo de fermentação.
Esse conhecimento foi sendo aprimorado ao longo dos séculos, passando de práticas empíricas para métodos mais controlados e científicos. Hoje, o estudo da fermentação é detalhado, permitindo a produção de alimentos e bebidas com sabores, texturas e aromas complexos. No caso dos queijos e vinhos, a fermentação não apenas conserva, mas também eleva suas características organolépticas, dessa maneira tornando-os verdadeiras obras-primas da gastronomia.
Toda fermentação é igual?
A fermentação é um processo diversificado, que varia de acordo com os microrganismos que envolve, seu substrato e as condições ambientais. Abaixo, exploramos os três principais tipos de fermentação relacionados a queijos e vinhos, bem como outros processos menos conhecidos, mas igualmente fascinantes.
Fermentação Alcoólica
A fermentação alcoólica é o coração da produção de vinhos. Nesse processo, leveduras, principalmente da espécie Saccharomyces cerevisiae, metabolizam os açúcares presentes nas uvas, convertendo-os em álcool etílico e dióxido de carbono. Esse fenômeno não só gera o teor alcoólico do vinho, mas também contribui para a formação de aromas e sabores complexos.
Condições Ideais para a Fermentação Alcoólica:
- Temperatura: Entre 18°C e 30°C. Temperaturas mais baixas podem retardar o processo, enquanto altas temperaturas podem matar as leveduras.
- pH: O ideal varia entre 4,0 e 5,0. O ambiente ácido favorece a atividade das leveduras e inibe microrganismos indesejáveis.
- Açúcares: Glicose, frutose e sacarose são os principais substratos utilizados pelas leveduras.
Esse processo não só gera álcool, mas também libera dióxido de carbono, responsável pelas borbulhas em vinhos espumantes. Além disso, essa fermentação é exotérmica, ou seja, libera calor podendo passar da temperatura de manutenção da vida da levedura. Por isso, deve sempre ser controlada.
A incrível Saccharomyces cerevisiae
A Saccharomyces cerevisiae, conhecida como levedura do vinho, da cerveja ou levedura de padeiro, é um microrganismo unicelular pertencente ao reino dos fungos. Utiliza-se amplamente essa levedura em processos de fermentação devido à sua capacidade de converter açúcares em álcool etílico e dióxido de carbono em condições anaeróbicas.
Além disso, ela é altamente tolerante a diferentes condições ambientais, o que a torna uma ferramenta essencial na produção de alimentos e bebidas.
No caso do vinho, a Saccharomyces cerevisiae é responsável pela fermentação alcoólica, transformando os açúcares presentes nas uvas em álcool e CO₂. Esse processo não só define o teor alcoólico da bebida, mas também contribui para a formação de aromas e sabores complexos, característicos de cada tipo de vinho.
Já na produção de pão, essa levedura atua na fermentação da massa, liberando dióxido de carbono (que faz o pão crescer) e álcool, que evapora durante o cozimento, deixando o pão macio e aerado, devido ao aprisionamento do gás nos interstícios da rede que o glúten forma.
Embora menos comum, a Saccharomyces cerevisiae também pode aparecer na produção de queijos, especialmente em variedades como o Gorgonzola e o Camembert, nos quais ajuda a desenvolver a textura e os aromas característicos. Sua versatilidade e eficiência fazem dela um dos microrganismos mais importantes na indústria alimentícia, assim conectando tradição e ciência em cada produto fermentado.
Fermentação Lática
A fermentação lática é essencial para a produção de queijos e outros produtos lácteos. Nesse caso, bactérias ácido-láticas, como Lactobacillus e Streptococcus, convertem a lactose (açúcar do leite) em ácido lático. Esse processo não só acidifica o leite, além disso ele também contribui para a formação da textura e do sabor característicos dos queijos.
Condições Ideais para a Fermentação Lática:
- Temperatura: Entre 20°C e 45°C, dependendo da cepa bacteriana.
- pH: Inicialmente em torno de 6,5, diminuindo para 4,5-5,0 conforme a produção de ácido lático ocorre.
- Substrato: A lactose é o principal açúcar que as bactérias metabolizam.
Fermentação Acética
Embora menos relevante para queijos e vinhos, a fermentação acética é crucial para a produção de vinagres. Nesse processo, bactérias acéticas, como Acetobacter, oxidam o álcool etílico, transformando-o em ácido acético. Esse fenômeno é responsável pelo sabor ácido e pungente do vinagre. É comum que esse processo aconteça em vinhos quando começam a “estragar”, é como costuma-se dizer “o vinho avinagrou”.
Condições Ideais para a Fermentação Acética:
- Temperatura: Entre 25°C e 30°C.
- Presença de Oxigênio: Diferente das outras fermentações, a fermentação acética é aeróbica.
- Substrato: Etanol, proveniente de bebidas alcoólicas como o vinho.
- pH: Entre 2,5 e 3,5, um ambiente ácido que favorece a atividade das bactérias.
Outros Tipos de Fermentação
Além dos processos mencionados, existem outros tipos de fermentação que, embora menos conhecidos, possuem papéis importantes na produção de alimentos. Por exemplo:
- Fermentação Propiónica: Utiliza-se na produção de queijos como o Emmental, no qual bactérias do gênero Propionibacterium produzem ácido propiônico e dióxido de carbono, responsáveis pelos buracos característicos, as chamadas olhaduras.
- Fermentação Butírica: Menos desejável, ocorre quando bactérias do gênero Clostridium convertem açúcares em ácido butírico, assim resultando em sabores desagradáveis.
Benefícios de alimentos fermentados para a saúde
Os alimentos fermentados são fundamentais na nutrição e na saúde, pois contêm microrganismos benéficos e compostos bioativos resultantes da fermentação. Destacamos, principalmente, os vinhos e queijos, produtos cuja complexidade de sabor vai além do prazer gastronômico, oferecendo benefícios para a digestão, o metabolismo e até a longevidade.
No caso dos queijos, a fermentação por bactérias ácido-láticas contribui para a digestibilidade. Esse processo ajuda a decompor a lactose, tornando queijos maturados, como Parmesão e Gouda, mais toleráveis para pessoas com intolerância.
Além disso, durante o envelhecimento, há um aumento na concentração de peptídeos bioativos, que podem ter propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Os queijos também são uma excelente fonte de cálcio, proteínas de alta qualidade e vitaminas do complexo B, essenciais para a saúde óssea, muscular e cerebral.
Já os vinhos, especialmente os tintos, são famosos por sua riqueza em compostos fenólicos, como o resveratrol e flavonoides, que atuam como antioxidantes naturais.
O consumo moderado de vinho tinto pode ter associação, ainda, à melhoria da saúde cardiovascular, reduzindo processos inflamatórios e promovendo o aumento do colesterol “bom” (HDL).
Outro benefício importante da fermentação em queijos e vinhos é o aumento da biodisponibilidade de nutrientes. Durante a maturação dos queijos, há uma maior liberação de aminoácidos essenciais e vitaminas do complexo B, fundamentais para o metabolismo energético e a função cerebral. No vinho, os polifenóis auxiliam na absorção de ferro, um mineral essencial para a circulação sanguínea e prevenção da anemia.
Além disso, a microbiota presente nos queijos artesanais pode contribuir para a saúde intestinal, favorecendo o equilíbrio da flora bacteriana e melhorando a digestão. Estudos recentes apontam que essa interação entre microrganismos benéficos e o sistema digestivo pode até influenciar a saúde mental, reforçando a teoria do eixo intestino-cérebro, que liga o bem-estar intestinal a funções cognitivas e emocionais.
Semelhanças e diferenças da fermentação de queijos e vinhos
Embora ambos os processos envolvam a transformação de açúcares por microrganismos, existem diferenças significativas entre a fermentação de queijos e vinhos:

Condições ideais para a fermentação de queijos
A fermentação lática, essencial para a produção de queijos, depende de condições controladas para que as bactérias ácido-láticas, como Lactobacillus e Streptococcus, possam metabolizar a lactose e produzir ácido lático de forma eficiente.
A temperatura é um fator crítico, variando entre 20°C e 45°C, dependendo da cepa bacteriana e do tipo de queijo. Temperaturas mais baixas retardam o processo, enquanto as mais altas aceleram a fermentação, mas exigem cuidado para evitar contaminações. Cada queijo exige uma faixa específica para atingir a textura e o sabor desejados.
O pH também é fundamental, começando em torno de 6,5 no leite e caindo para 4,5-5,0 à medida que ocorre a produção de ácido lático. Essa acidificação coagula as proteínas do leite, formando a coalhada, e inibe algumas bactérias patogênicas, garantindo assim segurança e qualidade.
Além disso, a disponibilidade de lactose, o principal substrato, converte-se em ácido lático pela ação enzimática das bactérias. Esse processo não só acidifica o leite, mas também gera compostos aromáticos que definem o perfil sensorial do queijo.
Por fim, um ambiente anaeróbico (sem oxigênio) é ideal para a fermentação lática, pois favorece a atividade das bactérias e evita a proliferação de microrganismos indesejáveis. O controle dessas condições durante a fermentação e maturação é crucial para garantir a qualidade, a segurança e as características únicas de cada queijo, desde os frescos até os mais curados e complexos.
Por que queijos e vinhos combinam tão bem?
A combinação entre queijos e vinhos é uma das mais clássicas e apreciadas na gastronomia, e sua harmonia vai além do simples gosto pessoal. Essa união tem fundamento em princípios científicos e sensoriais que criam uma experiência muito prazerosa.
A gordura dos queijos, por exemplo, suaviza a acidez e os taninos presentes nos vinhos, equilibrando assim sabores intensos e tornando a degustação mais agradável. Enquanto isso, a acidez do vinho ajuda a “limpar” o paladar, cortando a gordura do queijo e preparando-o para o próximo gole ou mordida.
Outro fator que contribui para essa combinação é a complexidade aromática de ambos os produtos. Queijos e vinhos possuem uma variedade de compostos voláteis que interagem entre si, criando novas camadas de sabor. Por exemplo, um queijo cremoso como o Brie pode realçar os aromas frutados de um vinho Chardonnay, enquanto um queijo mais intenso, como o Gorgonzola, combina perfeitamente com a doçura e a complexidade de um vinho do Porto. Essa interação entre aromas e sabores enriquece a experiência sensorial.
A textura também tem papel importante. Queijos macios e cremosos tendem a harmonizar melhor com vinhos mais leves e frescos, enquanto queijos duros e curados combinam com vinhos encorpados e estruturados. Essa complementaridade de texturas cria um contraste que estimula o paladar e torna a degustação mais dinâmica e interessante.
Por fim, a neurociência explica por que essa combinação é tão prazerosa. A interação entre os sabores contrastantes ativa diferentes áreas do cérebro, intensificando a experiência sensorial e emocional. A gordura do queijo e a acidez do vinho, por exemplo, estimulam receptores específicos que geram uma sensação de equilíbrio e satisfação. Essa combinação não é apenas uma tradição, mas uma verdadeira sinergia entre ciência e prazer gastronômico.
Há quem não se dobre quando esses dois são tão bem combinados?
Conclusão
A fermentação de queijos e vinhos é um processo fascinante que combina ciência, tradição e gastronomia. Embora utilizem microrganismos distintos e apresentem diferenças na forma como ocorrem, ambos os processos resultam em produtos com perfis sensoriais complexos e ricos, tornando-os expressões verdadeiras da cultura alimentar mundo afora.
Enquanto a fermentação alcoólica transforma açúcares em álcool e aromas sofisticados no vinho, a fermentação lática molda a textura e o sabor dos queijos, tornando-os mais digestíveis e benéficos para a saúde. Além disso, os alimentos fermentados oferecem vantagens nutricionais e probióticas que favorecem o metabolismo e o bem-estar.
Assim, seja na harmonização entre queijos e vinhos ou na avaliação individual de cada um, compreender a ciência por trás da fermentação permite valorizar ainda mais esses produtos. A alquimia dos microrganismos continua a desempenhar um papel essencial na gastronomia, elevando sabores e proporcionando experiências únicas à mesa.
Então, fatie seu queijo, abra um vinho que combine e desfrute dessa combinação que cabe nos mais variados momentos, do nascimento ao funeral! Aproveite!