Idade da Videira Importa? Vinhedos Antigos, Vinhos Complexos

Na arte de fazer vinho, muitos fatores influenciam a qualidade da bebida que chega à taça. Clima, solo, técnicas…

A idade da Videira Importa, vinhedos antigos, vinhos complexos

Na arte de fazer vinho, muitos fatores influenciam a qualidade da bebida que chega à taça. Clima, solo, técnicas de vinificação, variedades de uvas e a mão do enólogo refletem no perfil do produto final. Mas e a idade da videira? Será que plantas mais velhas produzem uvas melhores? Vinhos de vinhas antigas são, de fato, superiores? 

Vinhedos antigos, muitas vezes reverenciados como jóias, são associados à criação de vinhos mais complexos, dotados de camadas de aroma e sabor que parecem ultrapassar o tempo. Neste artigo, vamos então descobrir se a idade da videira realmente importa e qual o seu impacto na complexidade e qualidade dos vinhos.

O ciclo da videira

A videira, ou Vitis vinifera, é uma planta perene que passa por diversos estágios de crescimento ao longo do ano. Antes de entendermos como a idade da videira interfere na produção do vinho, é importante compreender seu ciclo anual de desenvolvimento, o qual tem relação direta com o rendimento e a concentração dos compostos aromáticos, bem como a maturação dos frutos.

Este ciclo tem influência de fatores ambientais como temperatura, horas de luz solar, disponibilidade de água e nutrientes, além de práticas de manejo que o viticultor implementa. Ele se divide em quatro fases principais:

Dormência

Durante o outono e o inverno, a videira entra em um estado de dormência. Após a colheita, as folhas caem e a planta parece “morta”, mas, na verdade, ela está economizando energia. Este período, que pode durar de dois a cinco meses, dependendo da região vitícola, permite que a planta se prepare para o próximo ciclo produtivo, garantindo assim os nutrientes necessários para um crescimento saudável.

As reservas energéticas são acumuladas, ocorrendo uma reorganização hormonal e bioquímica que prepara as gemas para o renascimento na primavera. É durante a dormência que ocorre a poda, prática fundamental para controlar a produção, a sanidade e o vigor da videira.

Brotação

Quando as temperaturas sobem e os dias se alongam, normalmente entre o final do inverno e o início da primavera, as gemas dormentes começam a inchar e finalmente se abrem, dando início à brotação. A temperatura é o elemento que principalmente regula essa fase, ocorrendo tipicamente quando a média diária ultrapassa consistentemente os 10°C. 

Neste estágio, as reservas nutritivas que se acumularam durante a dormência alimentam o rápido crescimento inicial dos brotos, que podem crescer vários centímetros por dia em condições ideais. A qualidade e a quantidade dos brotos têm influência das condições do solo e do clima, bem como da saúde geral da videira. 

Floração

Após a brotação, geralmente de 40 a 80 dias depois, ocorre a floração. As flores da videira são pequenas, esverdeadas e, ao contrário das flores de muitas outras plantas, não são chamativas, já que a polinização da videira ocorre principalmente, não por insetos. Essas flores são então agrupadas em inflorescências que, após a polinização e fertilização bem-sucedidas, se desenvolverão nos cachos de uvas.

Durante este período, a videira é extremamente sensível às condições climáticas. Chuvas intensas, ventos fortes e temperaturas muito baixas ou elevadas podem interferir na polinização, causando assim o que os viticultores chamam de “desavinho” – o desenvolvimento insuficiente ou desigual dos bagos após a floração. 

Videiras mais antigas tendem a ter uma floração mais estável e resistente, pois são mais resilientes a variações climáticas.

Maturação

Após a fecundação das flores e o desenvolvimento inicial dos bagos, inicia-se a fase de crescimento e, posteriormente, a maturação das uvas.

Durante a maturação, ocorre o acúmulo de açúcares, redução da acidez e desenvolvimento de compostos fenólicos e aromáticos nas cascas e sementes, que serão transferidos para o vinho. Este processo tem influência da exposição ao sol, temperatura e irrigação. O período exige extremo cuidado e acompanhamento para alcançar uvas equilibradas, maduras e com grande potencial para a produção de vinhos de qualidade.

Videiras mais velhas tendem a produzir menos cachos, porém com mais concentração de bagos em compostos fenólicos e precursores aromáticos. Devido ao seu sistema radicular mais profundo, conseguem manter um fornecimento mais estável de água e nutrientes, resultando assim numa maturação mais equilibrada mesmo em condições de estresse.

Em que impacta a idade da videira na produção de vinho?

A idade da videira pode ter um impacto significativo na produção de vinho. Videiras jovens, geralmente com menos de 10 anos de vida, apresentam vigor elevado, crescimento acelerado e altos rendimentos. 

Contudo, este vigor também se traduz em uvas mais diluídas, cachos grandes e menos concentração de açúcares, ácidos e compostos aromáticos. A produção tende a ser volumosa, porém, com menor intensidade e tipicidade. Vinhas jovens podem gerar entre 8 e 12 toneladas de uvas por hectare, dependendo da variedade e região. 

Já as videiras mais velhas tendem a equilibrar seu ciclo vegetativo e reprodutivo. O crescimento desacelera e o sistema radicular se aprofunda, podendo chegar a 8 metros. 

Além de garantir a sobrevivência em condições adversas, estas raízes profundas proporcionam uma expressão mais complexa do terroir. Com o tempo, os galhos tornam-se mais grossos, o fluxo de seiva se regula, e a planta então passa a priorizar a qualidade da fruta em detrimento da quantidade.

Quando uma videira alcança 30, 50 ou até mesmo 100 anos, sua produção atinge níveis muito baixos – cerca de 2 a 4 toneladas por hectare. As uvas tornam-se menores, com cascas mais espessas em relação à polpa, aumentando a concentração de compostos fenólicos, taninos, antocianinas e polifenóis. 

Estes componentes são fundamentais para a complexidade aromática e o potencial de envelhecimento dos vinhos. Embora menos produtivas, as vinhas antigas costumam ser mais estáveis, entregando safras consistentes mesmo em anos desafiadores.

Vinhas velhas resultam em vinhos melhores?

A resposta a essa pergunta não é simples e depende de diversos fatores. 

A associação entre vinhas velhas e vinhos excepcionais é frequente e, em muitos casos, legítima. Como vimos, videiras mais antigas podem gerar frutos de maior qualidade e complexidade. No entanto, tal potencial depende do manejo do vinhedo, da variedade da uva, do terroir e dos objetivos do produtor. É possível produzir vinhos ruins a partir de vinhas velhas se houver negligência nos cuidados. Da mesma forma, vinhas jovens bem conduzidas em ótimos terroirs também podem gerar vinhos excelentes.

Vinhos provenientes de vinhedos antigos frequentemente se destacam pela intensidade aromática, profundidade de sabor, textura densa e complexidade. Essa concentração resulta do baixo rendimento natural das plantas velhas, que direcionam a energia para poucos cachos de uva, conferindo-lhes maior riqueza sensorial.

Vinhas antigas, contudo, exigem manejo cuidadoso e, muitas vezes, técnicas de cultivo quase artesanais. A baixa produção faz com que o custo por litro seja maior, tornando esses vinhos mais caros no mercado. Além disso, se a videira velha não for bem cuidada ou estiver em local inadequado, pode produzir uvas de qualidade inferior, apesar da idade avançada.

Com qual idade a videira pode ser considerada velha?

Não há uma lei ou regra internacional sobre quando uma videira passa a ser considerada “velha”. A definição pode variar dependendo da região e do produtor. Em algumas áreas, considera-se videiras com mais de 25 anos velhas, enquanto em outras, o limiar pode ser de 40 anos ou mais. O consenso é que, a partir de 25 anos, as videiras começam a apresentar características que podem melhorar a qualidade do vinho.

Na França, por exemplo, videiras costumam ser consideradas velhas a partir dos 45 anos. Já na Espanha, utiliza-se o termo “viejas” (velhas) para videiras com pelo menos 30 anos. Em Portugal, especialmente na região do Douro, são consideradas “vinhas velhas” aquelas com mais de 50 anos, refletindo a extraordinária longevidade das videiras nesta região histórica.

Na Austrália, o Barossa Old Vine Charter – uma das poucas regulamentações sobre o assunto – estabeleceu uma classificação gradual:

  • “Old Vine”: 35+ anos
  • “Survivor Vine”: 70+ anos
  • “Centenarian Vine”: 100+ anos
  • “Ancestor Vine”: 125+ anos

Já na Califórnia, onde a viticultura comercial é relativamente mais recente, vinhas com 30-35 anos já podem ser classificadas como “velhas”, embora regiões como Sonoma e Lodi orgulhosamente preservem blocos de Zinfandel e outras variedades centenárias.

Vale lembrar que os termos “vinhas velhas”, “vieilles vignes”, “old vines” ou “vinhas antigas” muitas vezes não têm regulamentação. Em vários países, produtores podem usar o rótulo livremente, mesmo com plantas de idade relativamente baixa. Por isso, é recomendável pesquisar a reputação do produtor e as práticas da vinícola.

Conclusão 

A idade da videira é, sem dúvida, um fator relevante na qualidade do vinho. Videiras antigas, quando bem cuidadas, oferecem menor rendimento, mas uvas de altíssima qualidade, resultando em vinhos mais complexos, elegantes e com capacidade de envelhecimento. Suas raízes profundas, maturidade fisiológica e estabilidade são atributos que refletem diretamente na taça.

Por outro lado, é importante não cair na máxima de que apenas vinhas velhas produzem bons vinhos – ou de que sempre produzirão ótimos vinhos. Plantas jovens, quando aliadas a um bom terroir e práticas enológicas adequadas, também podem originar rótulos de altíssimo nível, especialmente com foco na expressão frutada, frescor e leveza.

Portanto, ao escolher um vinho, olhar para a idade da videira pode ser uma pista interessante, especialmente para quem busca vinhos mais profundos e estruturados. No entanto, esse é apenas um entre os muitos elementos que compõem o fascinante universo da viticultura.

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