O Impacto da Europa no Mercado Brasileiro de Azeite
O azeite é um dos produtos mais tradicionais e simbólicos da culinária mediterrânea, carregando consigo uma história milenar que…

O azeite é um dos produtos mais tradicionais e simbólicos da culinária mediterrânea, carregando consigo uma história milenar que atravessa séculos e civilizações. Sua produção e comercialização têm profunda influência dos países europeus, que dominam o mercado global e ditam as tendências de qualidade e consumo. Recentemente, a crise do azeite, impulsionada por fatores climáticos e econômicos, impactou significativamente o setor. Por isso, refletiu diretamente nos preços e na disponibilidade do produto em países consumidores como o Brasil. Neste artigo, exploramos a jornada do azeite desde suas origens na Europa até o mercado brasileiro, analisando como a crise atual afeta esse cenário e quais são as perspectivas para o futuro.
Neste artigo você vai ver
A origem do azeite
O azeite tem sua história profundamente ligada às civilizações do Mediterrâneo, onde o cultivo da oliveira remonta mais de 6.000 anos. Evidências arqueológicas apontam para o uso do azeite na região do Oriente Médio, especialmente em áreas que hoje correspondem à Síria e ao Líbano.
A oliveira e seu fruto foram rapidamente incorporados à cultura e à economia de povos antigos, como os fenícios, gregos e romanos. Estes povos viram no azeite não apenas um alimento, mas também um produto de valor simbólico e religioso, e por sua tamanha importância, leva o apelido de “ouro líquido”.
Expansão na Europa
Com a expansão do Império Romano, a oliveira se espalhou por toda a Europa, tornando-se essencial na economia e na alimentação de diversos povos. A técnica de extração do azeite passou por aprimoramento, enquanto eles o utilizavam não apenas na culinária, mas também na iluminação, na medicina e em rituais religiosos.
Espanha, Itália, Grécia e Portugal consolidaram-se como os principais produtores de azeite, desenvolvendo técnicas de cultivo e extração que persistem ainda hoje.
Mercado de azeite na Europa atual
Hoje, a Europa continua a dominar o mercado global de azeite, sendo responsável por mais de 70% da produção mundial. A Espanha lidera a produção, seguida por Itália, Grécia e Portugal. Esses países produzem azeite em grande escala, bem como estabelecem padrões de qualidade que são referência mundial.
A União Europeia regula o setor com rigor, garantindo assim denominações de origem protegidas (DOP) e indicações geográficas protegidas (IGP) para azeites com produção em regiões específicas, como o azeite de oliva extra virgem da Andaluzia (Espanha) ou da Toscana (Itália).
Além disso, o consumo interno europeu é alto, com o azeite sendo um elemento central da dieta mediterrânea, tendo reconhecimento pela UNESCO como patrimônio imaterial da humanidade.
Principais produtores: Espanha, Itália, Grécia e Portugal
O mercado de azeite é dominado por quatro países europeus que, juntos, representam a maior parte da produção e exportação mundial: Espanha, Itália, Grécia e Portugal. Cada um desses países possui características únicas em sua produção, qualidade e estratégias comerciais, dessa forma consolidando-se como referências globais no setor.
A crise que ocorreu entre 2022/2023 fez cair drasticamente a produção de azeites nos países europeus, principalmente a Espanha. Nos anos seguintes houve uma recuperação, contudo, a maioria dos países não voltou a produzir o que produziram antes da crise climática que afetou o setor.
Espanha: O Gigante do Azeite
A Espanha é, de longe, o maior produtor de azeite do mundo, responsável por cerca de 46% da produção global, ou seja, quase metade. A região da Andaluzia, no sul do país, é o coração da produção espanhola, com províncias como Jaén sendo conhecidas como a “capital mundial do azeite”.
O país se destaca pela escala de produção e pela adoção de tecnologias avançadas na extração e processamento do azeite. Além disso, a Espanha possui uma ampla variedade de azeites, desde os mais acessíveis até os premium, como os azeites com Denominação de Origem Protegida (DOP) de regiões como Priego de Córdoba e Sierra de Cazorla.
Em números, levando em consideração a crise que assolou os últimos anos, na safra 2023/2024 a produção de azeite espanhol atingiu 850.157 toneladas. Este número está abaixo da média de anos anteriores, como 2021/2022, que produziu 1.493.088 toneladas. Porém, ainda pior for a campanha 2022/2023, que teve queda de produção de cerca de 55%, onde produziu-se apenas um total de 665.800 toneladas
Itália: Tradição e Qualidade
A Itália é sinônimo de tradição e qualidade quando se fala em azeite. O país é o segundo maior produtor da Europa, com regiões como a Toscana, Puglia e Umbria sendo famosas por seus azeites extra virgens de alta qualidade.
Os azeites italianos são conhecidos por seu sabor frutado e aroma marcante, além de serem amplamente utilizados na culinária local. A Itália também é um grande exportador, com marcas de reconhecimento mundial, como Filippo Berio e Bertolli. Além disso, o país investe fortemente em certificações de qualidade, como a DOP e IGP, que garantem a origem e as características únicas de seus azeites.
Em números, estima-se a safra de 2023/2024 em 329.000 toneladas de azeites com produção em solos italianos.
Grécia: O Berço da Olivicultura
A Grécia é considerada o berço da olivicultura, com uma história que remonta à antiguidade. O país é o terceiro maior produtor da Europa e se destaca por sua produção de azeites de alta qualidade, especialmente o azeite extra virgem.
A ilha de Creta é uma das principais regiões produtoras, oferecendo azeites com sabor intenso e acidez equilibrada. A Grécia também é um dos maiores consumidores per capita de azeite do mundo, refletindo assim a importância cultural e gastronômica do produto no país. A Grécia produziu algo em torno de 200.000 toneladas de azeite na safra 2023/2024
Portugal: Inovação e Tradição
Portugal, embora menor em escala de produção em comparação aos seus vizinhos, vem se destacando pela qualidade e inovação no setor. Regiões como o Alentejo e Trás-os-Montes produzem azeites premium, que possuem hoje reconhecimento internacional em competições de qualidade.
O país investe em tecnologias modernas de produção, ao mesmo tempo em que mantém técnicas tradicionais, resultando dessa maneira em azeites com perfis sensoriais únicos. Além disso, Portugal amplia sua presença no mercado internacional, com exportações crescentes para países como o Brasil.
Em número, na safra de 2023/2024 Portugal produziu cerca de 157.600 toneladas de azeite.
O Azeite como símbolo cultural
Mais do que um simples ingrediente culinário, o azeite representa história, tradição e identidade cultural. Nos países mediterrâneos, seu consumo está profundamente enraizado nos hábitos alimentares, sendo um elemento essencial da dieta local.
A dieta mediterrânea, rica em azeite, vegetais, grãos integrais e peixes, é associada a benefícios para a saúde, como a redução do risco de doenças cardiovasculares. Além disso, o azeite possui significado religioso e simbólico em diversas culturas.
No cristianismo, por exemplo, utiliza-se o azeite em rituais como a unção de doentes e batismos. Na cultura judaica, o azeite era responsável por acender a Menorá no Templo de Jerusalém.
Esses aspectos culturais e históricos contribuem para o valor simbólico do azeite, que transcende sua função alimentar.
O Azeite na Dieta Mediterrânea
O azeite é um dos pilares da dieta mediterrânea, um dos padrões alimentares mais saudáveis e equilibrados. Sua importância vai além da culinária, representando um elemento central na cultura e no estilo de vida dos povos do Mediterrâneo.
Utilizado há milênios, o azeite não apenas confere sabor e aroma aos pratos, mas também é fonte de gorduras monoinsaturadas, como o ácido oleico, e de antioxidantes, como a vitamina E e os polifenóis. Esses nutrientes contribuem para a redução do colesterol ruim (LDL) e o aumento do colesterol bom (HDL), bem como oferecem propriedades anti-inflamatórias e protetoras contra doenças cardiovasculares.
Na dieta, o consumo de azeite é diário, seja em saladas, molhos, cozidos ou mesmo puro, acompanhando pão. Ele substitui outras fontes de gordura, como manteiga e óleos refinados, tornando-se uma opção saudável e natural.
Além disso, o azeite é um dos responsáveis por realçar os sabores dos alimentos frescos, como legumes, verduras, peixes e grãos, a base dessa dieta. Essa combinação de ingredientes frescos e o uso generoso de azeite contribuem para uma alimentação rica em nutrientes e pobre em processados.
A dieta mediterrânea, da qual o azeite é parte essencial, ganhou, ainda, reconhecimento da UNESCO como patrimônio imaterial da humanidade, em 2013. Esse reconhecimento vai além dos aspectos nutricionais, destacando o papel do azeite como um símbolo cultural e histórico. Em países como Espanha, Itália, Grécia e Portugal, o azeite tem raízes profundas nas tradições familiares e comunitárias, sendo parte integrante de festas, celebrações e rituais. Sua produção e consumo são como uma forma de preservar a identidade cultural e promover a sustentabilidade.
Hoje, a dieta mediterrânea e o azeite ganharam relevância global, nutricionistas e profissionais da saúde a recomendam como uma alternativa para combater doenças crônicas e promover o bem-estar.
Mercado brasileiro de azeite
O Brasil vem se tornando um dos maiores consumidores de azeite fora da região mediterrânea. Nos últimos anos, o aumento da demanda se deve à crescente busca por uma alimentação mais saudável, ao lado da influência da gastronomia internacional.
O azeite, visto como um produto premium e benéfico à saúde, ganhou espaço nas prateleiras dos supermercados e nas cozinhas brasileiras. No entanto, o país depende fortemente da importação, com Espanha e Portugal sendo os principais fornecedores, responsáveis por cerca de 80% do azeite importado. Em 2022, o Brasil importou 110 mil toneladas de azeite, movimentando milhões de dólares.
Olhando para o histórico de importação de azeite, entre os anos de 2013 e 2020, a média de azeite e óleo de bagaço de azeitona importado pelo Brasil foi de 74 mil toneladas. Nesse período, a importação passou de cerca de 73 mil toneladas para cerca de 104 mil toneladas.
Regiões produtoras no Brasil
Apesar de ser um importador expressivo, o Brasil também desenvolve hoje sua própria produção de azeite. Regiões como o Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais investem na olivicultura, obtendo produtos de alta qualidade e recebendo reconhecimento internacional.
O clima e o solo dessas regiões são adequados para o cultivo de oliveiras, e o avanço das técnicas de cultivo e extração permite a produção de azeites com características únicas.
A produção interna de azeite brasileiro demonstra um vertiginoso potencial de crescimento, e nesse aspecto, o Rio Grande do Sul lidera esse crescimento. Entre os anos de 2018 e 2022 a produção de azeites no estado sulista passou de 58 mil litros para 448,5 mil litros.
Ainda, a Serra da Mantiqueira também atrai os olhares pela produção de azeites de alta qualidade devido a sua altitude e compromisso das empresas produtoras. Em 2023, a produção foi de cerca de 60 mil litros, cerca de 10% da produção nacional, por volta de 600 mil litros.
Essa região da Serra, que compreende os estados de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, cresce tanto em qualidade de produto como em quantidade. A região possui azeite que já recebeu prêmio internacional, conquistando o primeiro lugar na categoria Produção Limitada, no prêmio espanhol Evoluem 2024. Com isso, a região colocou o seu nome na lista dos 100 melhores azeites do mundo.
Impacto da crise do azeite no mercado brasileiro
Nos últimos anos, o setor de azeite enfrentou desafios significativos, especialmente devido às condições climáticas adversas na Europa. Secas prolongadas e ondas de calor seca, consequência do fenômeno El Niño, afetaram drasticamente a produção, reduzindo assim a oferta e elevando os preços a níveis recordes.
Em 2023, a produção espanhola, que responde por quase 50% do azeite mundial, caiu cerca de 40% em relação ao ano anterior. Essa queda na produção europeia teve um impacto direto no mercado brasileiro, onde os preços do azeite aumentaram em média 40% no último ano.
No Brasil, os consumidores sentiram os impactos da crise através do aumento expressivo nos preços, tornando o produto menos acessível. Entre fevereiro de 2023 e fevereiro de 2024 esse aumento ficou na casa dos 45%. Os preços dispararam, e esse artigo, principalmente os de qualidade, se tornou ainda mais inacessível à maioria dos brasileiros.
Pequenos produtores e importadores também enfrentam desafios logísticos e cambiais que encarecem ainda mais o azeite no mercado nacional. A alta do dólar e os custos de transporte têm pressionado os preços, dessa forma dificultando a manutenção de estoques e a oferta de produtos a preços competitivos.
A crise do azeite, no entanto, abre oportunidades para a produção nacional. Com o aumento dos preços dos azeites importados, os produtores brasileiros têm a chance de ganhar espaço no mercado interno.
Investimentos em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento podem impulsionar a olivicultura no país, reduzindo a dependência das importações e assim fortalecendo a cadeia produtiva local.
Além disso, a valorização de azeites brasileiros em competições internacionais tem ajudado a construir uma imagem positiva do produto nacional, atraindo consumidores dispostos a pagar por qualidade e autenticidade.
Conclusão
O azeite tem uma história rica e simbólica, atravessando séculos como um dos produtos mais valorizados da gastronomia mundial. A Europa segue liderando a produção global, influenciando diretamente o mercado brasileiro, que cada vez mais consome e produz azeites de alta qualidade. No entanto, a crise recente demonstra a fragilidade da cadeia de produção e a necessidade de estratégias para diversificar o abastecimento.
A crescente produção nacional surge como uma oportunidade para o Brasil reduzir sua dependência externa e fortalecer sua posição no setor. Com investimentos em tecnologia, pesquisa e sustentabilidade, o Brasil pode consolidar sua posição no mercado global de azeite, reduzindo a dependência das importações e fortalecendo a cadeia produtiva nacional.
O futuro do azeite no país dependerá de investimentos, políticas de incentivo e uma conscientização maior sobre a importância desse produto na alimentação e na economia nacional.