Vinhos Laranja: O Que São e Como Degustá-los
Você já ouviu falar dos vinhos laranja? Apesar de seu nome sugerir uma bebida à base de frutas cítricas,…

Você já ouviu falar dos vinhos laranja? Apesar de seu nome sugerir uma bebida à base de frutas cítricas, o vinho laranja nada tem a ver com laranjas. Trata-se, na verdade, de um vinho elaborado com uvas brancas por meio de um processo mais comumente utilizado na produção de tintos. E ainda que pareça uma novidade, este estilo de vinho é uma das formas mais antigas de vinificação, com cerca de 8.000 anos de história.
Ficou curioso para conhecer os vinhos laranja? Continue então a leitura deste artigo e descubra mais sobre sua história, método de produção, perfil sensorial e dicas de harmonização.
Neste artigo você vai ver
O que são os vinhos laranja?
Os vinhos laranja são vinhos elaborados a partir de uvas brancas, porém vinificados de maneira similar aos tintos, com maceração prolongada das cascas e sementes no mosto. Esse processo altera profundamente a estrutura, a cor e o perfil sensorial da bebida.
Ao contrário dos vinhos brancos tradicionais – em que há a separação das cascas e do mosto logo após o esmagamento das uvas -, nos vinhos laranja o contato com as cascas pode durar semanas ou então meses. Essa permanência resulta em uma bebida mais tânica, com corpo mais robusto, notas oxidativas e aromas que fogem ao convencional.
A cor é, sem dúvida, uma das características mais marcantes desses vinhos. Ela pode variar de um amarelo-dourado intenso até tons de âmbar, cobre e laranja. A diferença depende da variedade da uva, do tempo de maceração e do método de produção.
Vinhos laranja e âmbar são a mesma coisa?
O termo “vinho laranja” se consolidou mundialmente para designar vinhos brancos produzidos mediante a maceração prolongada das cascas com o mosto. Porém, alguns produtores e regiões preferem chamar de “vinho âmbar”, tanto para enfatizar aspectos sensoriais mais sutis quanto para evitar a possível confusão com a fruta laranja.
Portanto, na prática, ambos indicam o mesmo estilo de vinho. A preferência por um termo ou outro reflete, mais do que diferenças técnicas, aspectos culturais e mercadológicos.
Origem dos vinhos laranja
Os vinhos laranja podem parecer novidade, mas na verdade são uma das formas mais antigas de se produzir vinho. Sua origem remonta há milhares de anos, mais precisamente à região que hoje conhecemos como Geórgia, no Cáucaso, considerada por muitos arqueólogos e historiadores como o berço da vinificação. Evidências arqueológicas, sugerem que os georgianos já produziam vinhos através de maceração prolongada há cerca de 8.000 anos.
Nessa região, os vinhos eram elaborados em ânforas de barro chamadas qvevris, enterradas no solo para manter a temperatura estável. As uvas brancas eram esmagadas e colocadas nessas ânforas junto com as cascas, sementes e, às vezes, engaços. A fermentação ocorria naturalmente, sem controle de temperatura, e então deixavam o vinho em contato com as cascas por vários meses, desenvolvendo cor, textura e complexidade.
Esse método tradicional quase desapareceu, mas produtores visionários da região do Friuli-Venezia Giulia, no nordeste da Itália, e da vizinha Eslovênia, o resgataram a partir dos anos 1990. Posteriormente, o processo ganhou notoriedade com o movimento de vinhos naturais.
Um dos grandes responsáveis por este renascimento, Josko Gravner redescobriu o método georgiano durante viagens à região, e impressionado com a profundidade e complexidade dos vinhos produzidos em Qvevri, começou a experimentar técnicas similares em sua própria vinícola.
Hoje, além da Geórgia, países como Itália (especialmente o Friuli-Venezia Giulia), Eslovênia, Croácia, França e até o Brasil se destacam na produção de vinhos laranja, com variações que respeitam os princípios do estilo, mas com identidade própria.
Método de vinificação
A principal diferença na produção de vinhos laranja está na maceração das uvas brancas com as cascas, técnica comum em vinhos tintos, mas rara em brancos. Embora cada produtor tenha sua assinatura, alguns pontos do processo são universais.
Colheita e seleção das uvas brancas
Em algumas regiões, principalmente na Geórgia, a colheita das uvas ocorre ligeiramente mais tarde que o habitual para vinhos brancos, buscando assim maior concentração de açúcares e compostos fenólicos. As variedades podem ser diversas, como Ribolla Gialla, Malvasia, Pinot Grigio, Trebbiano, entre outras.
Esmagamento das uvas
Após a colheita, as uvas então podem seguir diferentes caminhos, dependendo da filosofia do produtor. Alguns optam por fazer o desengace manual dos cachos e leve esmagamento das uvas, transferindo todo o material (suco, cascas e frequentemente sementes) para os qvevris. Estas ânforas cônicas de argila são tradicionalmente revestidas internamente com cera de abelha e enterradas até o gargalo para manter a temperatura constante.
Em produções mais modernas, as uvas podem ser desengaçadas mecanicamente e o mosto com as partes sólidas tem direcionamento para diferentes recipientes: tanques de inox, barris de carvalho, tonéis de madeira neutra, ânforas de cerâmica ou até mesmo recipientes de concreto. Cada material interage diferentemente com o vinho durante a maceração e fermentação, influenciando dessa forma o perfil final da bebida.
Fermentação com maceração prolongada
A fermentação geralmente acontece de modo espontâneo (com leveduras selvagens presentes na casca da própria fruta e no ambiente). O controle de temperatura é, muitas vezes, mínimo, para assim respeitar os processos naturais e valorizar o caráter do terroir e da variedade da uva.
Diferente do vinho branco tradicional – em que há a separação rápida entre as cascas das uvas e o mosto após o esmagamento -, na produção dos vinhos laranja utiliza-se uma maceração prolongada das cascas, polpas, sementes e, em alguns casos, dos engaços (caule da uva), tudo junto em fermentação. Esse contato pode durar de alguns dias a vários meses, dependendo da tradição ou do estilo desejado.
Separação dos sólidos
Terminada a maceração e a fermentação, separa-se o vinho das partes sólidas, seguindo para o estágio do amadurecimento. Neste momento, alguns produtores optam por realizar a prensagem para extrair mais compostos, enquanto outros preferem um método mais delicado, preservando características aromáticas mais voláteis.
Maturação
A maturação pode ocorrer em diversos recipientes, como aço inox, madeira usada ou nova, ânforas ou cerâmica. Esta fase, que pode durar de alguns meses a vários anos, permite que o vinho se estabilize naturalmente e desenvolva maior complexidade.
O tempo de amadurecimento depende da filosofia do produtor e do resultado desejado: vinhos frescos e vibrantes podem ir para o mercado após poucos meses, enquanto outros envelhecem por anos, resultando em maior intensidade aromática.
Engarrafamento
Em geral, os produtores optam por vinhos com mínima intervenção: pouco ou nenhum sulfito, nada de correção de acidez ou clareamento químico, e são raros os casos de filtragem intensa. O objetivo é entregar ao consumidor um vinho expressivo e genuíno, que revele o máximo possível do solo, do clima e da uva.
É importante apontar que, apesar da aparente simplicidade do conceito básico (macerar uvas brancas como se fossem tintas), existe enorme diversidade de interpretações e técnicas específicas. Cada produtor desenvolve sua própria linha e estilo, com influência de tradições regionais, filosofia pessoal, variedades de uvas e características do terroir, resultando assim na grande diversidade de perfis dos vinhos laranja.
Degustando vinhos laranja: o perfil sensorial
A experiência de degustar um vinho laranja é, muitas vezes, surpreendente, até mesmo para quem já possui um certo repertório enológico. O visual, os aromas, a textura e os sabores são diferentes de tudo o que normalmente se associa a um vinho branco ou tinto.
Visual
Dependendo do tempo de maceração, do envelhecimento e da variedade da uva, a coloração de um vinho laranja pode ir do amarelo-dourado profundo ao laranja intenso, pêssego, âmbar e até castanho-avermelhado. Muitos apresentam turbidez natural, especialmente quando não filtrados.
Olfato
Os aromas dos vinhos laranja são bastante complexos. Frequentemente, percebe-se notas que fogem do esperado para vinhos brancos: frutas secas, como damasco, figo, tâmara, casca de laranja, frutas cristalizadas, marmelo, chá preto, nozes, amêndoas, especiarias doces, mel, e até notas florais e de ervas secas. A oxidação controlada, presente em alguns estilos, pode trazer lembranças de maçã madura, pão torrado ou então frutos secos.
Paladar
No paladar, os vinhos laranja costumam ter taninos perceptíveis, ainda que mais suaves do que em tintos, acidez de moderada a alta, corpo médio a encorpado, e persistência longa. Entre os sabores, eles podem trazer notas de laranja caramelizada, especiarias, ervas secas, chá preto, casca de pêssego, brioche, cogumelos e um leve toque salino. Alguns exemplares mais “rústicos” podem remeter a terra úmida e cera de abelha.
Serviço
Por serem vinhos de grande expressão, os laranjas podem ser servidos um pouco mais frios que tintos leves, mas não gelados como os brancos, por volta de 12°C a 16°C. Temperaturas muito baixas podem esconder a complexidade aromática e acentuar a adstringência dos taninos. O ideal é servir em taças maiores que as usuais para brancos, permitindo assim uma melhor dissipação dos aromas.
Como harmonizar vinhos laranja
Por seu caráter híbrido – branco na origem, tinto na estrutura – os vinhos laranja são extremamente versáteis à mesa. Esse perfil único permite que eles transitem com facilidade entre pratos que usualmente harmonizam com tintos e aqueles que pedem vinhos brancos mais encorpados.
Aqui estão algumas sugestões de pratos que harmonizam com vinhos laranja:
- Culinária Oriental: pratos indianos, tailandeses, japoneses e coreanos, que utilizam especiarias, curry, gengibre e frutos do mar, combinam muito bem com vinhos laranja, equilibrando o picante e os temperos.
- Cozinha Mediterrânea: receitas com legumes grelhados, pimentões, berinjela, abobrinha, azeite de oliva, azeitonas e ervas aromáticas destacam o perfil frutado e mineral do vinho.
- Carnes brancas e pescados: frango assado com especiarias, porco grelhado, cordeiro, peixes gordurosos, como salmão e atum, ou então molhos mais intensos são acompanhamentos excelentes.
- Queijos: versões curadas ou de mofo branco, como brie, camembert, queijo de cabra maturado casam perfeitamente.
- Pratos à base de cogumelos e trufas: a complexidade aromática dos vinhos laranja ressalta essas iguarias, dessa maneira potencializando o sabor terroso e umami dos ingredientes.
Conclusão
Os vinhos laranja resgatam uma tradição milenar e trazem ao mundo contemporâneo uma nova (ou antiga) forma de ver a vinicultura e o consumo de vinhos. Sua produção, baseada em mínima intervenção, respeito ao terroir e foco na autenticidade sensorial, oferece aos apreciadores uma riqueza de aromas, sabores e experiências.
Se você nunca experimentou um vinho laranja, aproveite o momento. Que cada taça seja um convite à descoberta. Saúde!