Syrah ou Shiraz: uma uva, dois nomes, muitas histórias

Uma das castas mais antigas, a Syrah carrega diferentes versões sobre sua origem

Cachos da uva Syrah cultivados nos vinhedos da Guaspari

No vasto universo dos vinhos, é comum a mesma uva possuir mais de um nome. Isso deve-se principalmente a questões históricas, pois estas uvas são encontradas em outros países e, ao longo do tempo, cada cultura nomeou-as à sua maneira. E com a Syrah – ou Shiraz – não foi diferente: duas grafias, a mesma uva.

Da mesma forma que esses dois termos podem gerar confusão, a origem desta variedade ainda é incerta e tem alimentado debates e curiosidades entre amantes de vinho. Ficou interessado? Vamos desvendar os mistérios por trás dessas nomenclaturas, explorando a origem da uva, suas características, os estilos de vinhos que ela produz e possíveis harmonizações.

Origem da uva Syrah

Uma das variedades mais antigas, a Syrah carrega diferentes versões sobre sua origem. Alguns afirmam que seu berço é o antigo império persa, especificamente a cidade chamada Shiraz, que hoje corresponde ao Irã. Outros especulam que essa uva teria vindo do Egito e chegado à Europa pela região da Sicília, pela cidade de Siracusa, no sul da Itália. Há ainda uma versão que dá o crédito a São Patrício, patrono da Irlanda, por plantar as primeiras mudas de Syrah na França.

Porém, a narrativa mais aceita hoje é a que aponta sua origem genuinamente francesa, no norte do Vale do Rio Rhône. Em 1998, especialistas mapearam o DNA desta uva, cujo perfil genético indicou sua descendência de variedades francesas menos conhecidas: Mondeuse Blanche (branca) e Dureza (tinta). 

Além disso, alguns estudos também mostram que existe uma grande probabilidade da uva Pinot Noir ser bisavó da Syrah, e tanto a Viognier quanto Mondeuse Noire (tinta) podem estar intimamente relacionados a esta casta. Contudo, mesmo com toda a tecnologia atual, ainda não foi possível estabelecer o século de surgimento da Syrah como a conhecemos.

De qualquer forma, foi no Vale do Rhône que a Syrah encontrou as condições ideais para seu desenvolvimento, tornando-se uma das uvas mais emblemáticas da região. 

Syrah ou Shiraz: uma questão de terroir

Tecnicamente falando, Syrah e Shiraz são a mesma uva. A diferença principal decorre do estilo de vinho produzido a partir desta casta em diferentes regiões do mundo. A grafia “Syrah” é como a uva foi originalmente referida, ao passo que “Shiraz” é como ela se tornou conhecida na Austrália e, consequentemente, nas regiões produtoras que compartilham do estilo de vinho australiano. Na Europa e na América Latina é mais comum encontrar o termo Syrah, enquanto nos Estados Unidos e África do Sul tende a prevalecer Shiraz.

E a influência do terroir – de forma simplificada, o conceito que se refere à combinação de fatores como solo, clima e topografia, que conferem ao vinho características únicas – está diretamente ligado às diferenças entre Syrah e Shiraz.

No Vale do Rhône, por exemplo, os vinhos Syrah são influenciados por solos rochosos e um clima mais fresco, que lhes dá certa elegância e sutileza, com taninos finos e acidez equilibrada. Nessa região, encontramos os famosos Hermitage e Côte-Rôtie, vinhos que exibem complexidade e longevidade.

Por outro lado, na Austrália, especialmente na região do Vale de Barossa, os vinhos Shiraz são influenciados por um clima mais quente e solos variados, resultando em exemplares mais potentes, alcoólicos e frutados, desde rótulos mais acessíveis para o dia a dia, a vinhos icônicos e robustos que envelhecem majestosamente.

Syrah pelo mundo: além da França e Austrália

Embora a França e a Austrália sejam as referências mais expressivas para a produção de Syrah/Shiraz, essa uva versátil adaptou-se em muitas outras regiões produtoras ao redor do mundo. Na Califórnia, nos Estados Unidos, vinícolas produzem vinhos de alta qualidade, muitas vezes em estilo mais opulento. Na África do Sul, a uva também floresceu, criando rótulos encorpados e expressivos.

A Syrah no Brasil

A uva Syrah encontrou no Brasil um novo terroir que a permitiu expressar sua identidade de maneira única. Embora o país seja mais reconhecido por sua produção de uvas e vinhos de outras variedades, a Syrah vem ganhando destaque nos últimos anos, principalmente em determinadas regiões que oferecem condições climáticas e de solo propícias para seu cultivo.

No Vale do São Francisco, no nordeste brasileiro, e em áreas de São Paulo e Minas Gerais esta variedade encontrou condições particularmente favoráveis. O clima quente e ensolarado dessas regiões, com diferenças térmicas notáveis entre o dia e a noite, tem sido fundamental para a maturação adequada da uva, conferindo-lhe características singulares.

Os vinhos produzidos a partir da uva Syrah no Brasil geralmente apresentam uma coloração intensa, variando do rubi ao roxo profundo. Em termos de aroma, é possível identificar notas de frutas vermelhas e negras maduras, como amora e cereja, frequentemente acompanhadas de toques de especiarias e, por vezes, nuances de chocolate ou couro.

Em relação ao paladar, os vinhos Syrah brasileiros são conhecidos por seu corpo que varia de médio a encorpado, taninos presentes e acidez equilibrada. O envelhecimento em barricas de carvalho, prática adotada por alguns produtores, pode conferir notas de baunilha e tostado ao vinho, aumentando sua complexidade.

Características da Syrah

A Syrah possui cachos médios e densos, que carregam bagas de casca espessa, conferindo à uva resistência aos rigores do clima e ao ataque de fungos e outras pragas. Além disso, ela também possui coloração profunda, quase negra, com grande concentração de matéria corante.

Embora seu aspecto sensorial mude de acordo com o terroir, de modo geral, os vinhos elaborados com a Syrah apresentam coloração escura, corpo médio, taninos macios e sabores complexos, sendo em sua maioria secos e com acidez média. Entre os aromas mais frequentes surgem frutas negras e vermelhas, violeta, azeitonas pretas e pimenta preta. Este último, aliás, deve-se à rotundona, um tipo de terpeno aromático que se encontra na casca da uva e aumenta conforme a fruta amadurece, e na Syrah, sua concentração tende a ser particularmente alta.

Processos de vinificação

Além das condições climáticas e de solo, os métodos de vinificação desempenham um papel importante na determinação do caráter final do vinho. Em muitas regiões, a maceração prolongada e o envelhecimento em barris de carvalho são práticas comuns para extrair o máximo de cor, sabor e estrutura. Essas técnicas podem resultar em vinhos que variam de tintos profundos e tânicos a exemplares mais acessíveis e prontos para beber.

A magia da Syrah no envelhecimento

A Syrah é conhecida por seu potencial de envelhecimento, que se manifesta de maneira distinta nas diferentes regiões. Os vinhos do Rhône, por exemplo, podem evoluir por décadas, desenvolvendo camadas de complexidade e elegância. Na Austrália, alguns Shiraz também demonstram uma incrível longevidade, apesar de sua natureza frutada inicial.

Harmonizando a Syrah

Da mesma forma que a versatilidade da Syrah favorece sua adaptação em diferentes regiões, resultando em estilos distintos de vinhos, ela também possibilita uma gama de harmonizações. 

Entretanto, devido à sua profundidade e complexidade, os vinhos de Syrah combinam muito bem com receitas mais ousadas e intensas, que permitem revelar suas sutilezas e nuances, sem que elas dominem o paladar. Experimente pratos com toques de especiarias, como pernil de cordeiro com ervas aromáticas, costelinha de porco ao molho barbecue ou ainda frango ao curry.

Em geral, carne vermelha faz ótima companhia à uma taça de Syrah; costela assada, churrasco, hambúrguer, clássico filet au poivre são ótimos parceiros. Mas lembre-se de levar em conta a estrutura do vinho e do prato – vinhos mais leves com receitas mais delicadas, enquanto pratos mais encorpados pedem vinhos estruturados, de modo que um não se sobreponha ao outro.

Para os fãs de massa, a dica são receitas que levem molhos com carne, com toques picantes ou ainda à base de cogumelos. Uma lasanha clássica é ótima sugestão; para os vegetarianos, a versão à berinjela também faz bonito.

Já quem prefere apenas petiscar, uma tábua com embutidos e queijos certamente vai agradar. Aposte em queijos como gouda, roquefort ou os de mofo azul, que são mais intensos e podem fazer um bom contraponto à riqueza do vinho.

Syrah ou Shiraz? A escolha é sua

Quando falamos de Syrah e Shiraz, de fato, trata-se da mesma uva, mas com expressões diferentes dependendo da região de cultivo. E a melhor maneira de entender e apreciar essas diferenças é, claro, degustando! Então, escolha sua garrafa favorita e mergulhe neste mundo de sabores e aromas. Saúde!

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